A Argentina por um brasileiro
Antes de começar, como imagino que fatalmente um argentino vai ler este post, acho melhor um rápido disclaimer: si sos argentino, espero que sepas leer esto cómo lo intenté escribirlo, o sea, no para decir que es mejor o peor en Argentina, pero sí cómo las cosas son diferentes. Abajo hay cosas buenas y malas (en mí opinión personal), aunque probablemente haya cosas que sean más negativas que positivas, pues seguramente es lo que más me llamaba la atención.
Este post é ao mesmo tempo algo que quero escrever há muito tempo e um tanto inspirado em um post recente que vi no Google+ de um francês comentando sobre o que considera particularidades do Brasil.
Passei mais de três anos em Córdoba, na Argentina, e desde que cheguei percebi como as coisas são diferentes entre aquele país e o Brasil. Há tempos venho contando coisas aos poucos a vários amigos e acho que está na hora de botar tudo junto.
Assim como no post do francês, algumas coisas aqui certamente são particularidades da região ou da cidade em que vivi e podem não acontecer em outras partes. Em outras palavras, o que segue é baseado em minha própria experiência, tanto na Argentina quanto no Brasil (e EUA em menor medida).
Na Argentina, a transmissão de jogos de futebol é de competência exclusiva do Estado. Durante os jogos, só passa propaganda política do governo federal. Aliás…
Na Argentina, a propaganda do governo não é apenas naquele estilo “olhe a nova represa! Governo Federal! País de todos”, não. É mais como horário político em tempos de campanha, exaltando a presidente e atacando opositores. Por exemplo, recentemente durante o intervalo dos jogos, o governo passava um mini-documentário de 15 minutos atacando o governador da província de Córdoba, que é opositor da presidente.
Na Argentina se para em fila para tudo. E não são filas pequenas.
Na Argentina, quando a criança nasce, ela precisa fazer o DNI (um misto de RG com CPF). Há enormes filas para isso e corta o coração ver filas enormes de mães com bebês recém-nascidos, às vezes debaixo de chuva.
Na Argentina não se deixa gestantes, idosos e deficientes passarem na frente nas filas.
Desde o início me surpreendeu a quantidade de carros muito velhos andando nas ruas da Argentina. São muitos e muito velhos. Em particular, os taxis tendem a ser carros bem mal cuidados, em contraste ao Brasil onde os taxis raramente são carros com mais de 2 anos.
Na Argentina se reclama muito da falta de troco para tudo, mas os caixas eletrônicos só têm notas de 100. Ninguém parece ligar as duas coisas.
Na Argentina, você compra jogos e DVDs piratas em lojas legítimas em shopping centres legítimos.
Se no Brasil o problema dos correios são as longas greves periódicas, na Argentina o problema são roubos. É padrão coisas não chegarem, a ponto de muitos sites internacionais não aceitarem enviar coisas para a Argentina exceto por courrier. Revistas chegam (quando chegam) com _grande_ atraso, fora das embalagens originais e com claros sinais de uso.
Na Argentina o sistema bancário não é nem de perto desenvolvido como no Brasil. Isso valeria um post exclusivo, mas um ponto curioso é que você não pode pagar suas contas no banco. Cada serviço (luz, TV a cabo, aluguel…) usa uma empresa de cobrança diferente como Rapipago, PagoFácil, Pago mís cuentas. A maioria absoluta não oferece pagamento via internet, então você precisa ir a um local para fazer o pagamento. Pior, às vezes você chega em uma dessas e descobre que naquele local especifico eles não recebem contas do serviço que você quer pagar e você tem de ir a outro. Nota: sempre tem filas enormes.
Uma coisa bastante assustadora sobre bancos é que eu já fui em um caixa do Citi e retirei 10.000 pesos sem mostrar identidade, sem digitar senha e nem assinar nada. Se perder o cartão, perdeu, preiboi.
Na Argentina Lula é deus. A imagem do Lula na Argentina é algo completamente surreal, chegando a ser quase sobrenatural. Talvez um pouco pelas diferenças no sistema político, o argentino atribui ao Lula mesmo coisas sobre as quais ele não teria poder algum, como prender traficantes. Na Argentina, o Lula acabou com o crime no Brasil, acabou com a pobreza e curou todas as doenças. É irreal.
Curiosamente, embora seja o Lula tenha sido aliado do governo Kirchner, é a oposição que mais cria a imagem endeusada de Lula, sempre para comparar desfavoravelmente a presidente com Lula.
(Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr/CC-BY-3.0)
Na Argentina não se vê (muitos) mendigos na rua. Há pobreza, mas não como no Brasil.
Na Argentina, pessoas usam laptops e tablets em mesas em cafés mesmo na calçada. Eu usava meu laptop e mais tarde meu iPad e iPhone no ônibus. Nunca ouvi falar em gente que tenha sido roubada assim.
Na Argentina não fazem piadas com brasileiros. A diferença no tratamento entre os povos é tão gritante que chega a me dar vergonha. Conheci muitos argentinos no Brasil e todos sempre tiveram de aguentar piadas e piadas e piadas o tempo todo. Aqui nunca ninguém fez piada de brasileiro para mim e ficam surpresos quando eu comento isso.
Para imitar um brasileiro, eles dizem “é o maior do mundo” (invariavelmente pronunciado — e meio cantado — como “ê o maiorrr dô mondo”). Nunca ninguém soube (ou quis) me explicar a origem disso, mas parece o equivalente ao nosso “pero que si, pero que no“, que não faz nenhum sentido em espanhol.
Na Argentina a cultura brasileira é muito forte. Toda muita música brasileira nas rádios. Infelizmente só vem o pior: na escolhinha da nossa filha, ensinaram as crianças a cantar Michel Teló.
Na Argentina os motoristas de taxi não te ajudam a botar ou tirar malas. Aliás, muitos se recusam a sequer te deixar usar o porta-malas, te mandando colocar a mala no banco da frente do carro.
Na Argentina os motoristas de taxi andam com som alto e fumando. Às vezes eles param no meio do caminho e te pedem para sair porque apareceu algo mais importante para fazer do que levá-lo ao seu destino.
Na Argentina há manifestações todas as semanas (os funcionários municipais, os motoristas de taxi, etc.) e elas fecham as ruas do centro. A polícia deixa fecharem a rua toda.
Na Argentina, antes de começar um filme no cinema, você têm de aguentar meia hora de propaganda exaltando o político local.
Na Argentina o governo manipula os índices de inflação e processa instituições que publicam seus próprios índices. É como se no Brasil o governo processasse a Fundação Getúlio Vargas sempre que esta publica os índices. Não é oficialmente proibido publicar isso, mas o governo usa uma lei genérica sobre tentar criar distúrbios sociais.
A fim de esconder as manipulações que ficavam claras com o Big Mac Index, o governo forçou o McDonald’s a vender o Big Mac na Argentina a um preço baixo por anos. O resultado é que você não vê Big Macs nos McDonald’s da Argentina. Eles sempre estiveram à venda, mas como o preço era artificialmente baixo por força do governo, o McDonald’s escondia dos cardápios.
Na Argentina, embora o governo diga que não há inflação, há congelamento de preços. E embora o governo diga que não há congelamento de preços, o governo anuncia de tempos em tempos que o congelamento de preços vai continuar por mais X meses.
Na Argentina não há maneiras fáceis de poupar dinheiro. Não há nem sequer uma Poupança. E como há uma inflação bastante alta (o governo nega!), o seu dinheiro desaparece. O argentino se acostumou há muitos anos a usar o dólar como poupança. O governo recentemente “proibiu” a compra de moeda estrangeira por argentinos: o chamado cepo cambiário.
Na Argentina não é oficialmente proibido comprar moeda estrangeira, só é necessário pedir autorização prévia, que será sumáriamente negada. Há exceções: se você provar que vai viajar para o exterior e justificar a necessidade dos fundos, eles liberam até 100 dólares por dia de viagem. Você precisa provar que vai viajar e efetivamente viajar. Comprar dólares e não viajar é punível com até 2 anos de cadeia. Se sua viagem for cancelada, você precisa voltar à AFIP (a Receita Federal daqui) para devolver os dólares.
Na Argentina é legal e normal fazer contratos em moeda estrangeira. Ninguém quer receber em pesos. Com o recente cepo, isto criou uma situação perversa onde pessoas compraram, por exemplo, imóveis e agora têm de pagar em dólares e não podem comprá-los, tendo então de recorrer ao paralelo, que é quase o dobro do valor. Ah sim, quando se diz que algo é em dólares, você tem de pagar em dólares mesmo e não em “pesos no valor equivalente a X dolares”.
Ainda como parte do cepo, é proibido a argentinos tirar dinheiro em caixa eletrônico fora do país com seus cartões bancários. Compras com cartão de crédito em moeda estrangeira contém uma multa de 20%.
Para fechar, na Argentina, sempre que há uma queda na popularidade do presidente, trazem à tona as Malvinas. E o povo engole toda a vez, algo que realmente me surpreende. O povo realmente leva isso à sério. Aliás, as Malvinas estão presentes em toda a parte na Argentina em monumentos, stickers em carros, pixações…
Não fosse o fato de que há gente que vive nas Malvinas e tem a legitimidade de ter nascido lá de pais nascidos lá e assim por diante, eu defenderia que dessem as Malvinas para a Argentina só para perguntar “ok, e agora o que vocês vão fazer?” e acabar com essa muleta dos governos argentinos.
Acho que é por aí. Deve haver muito mais, mas é o que me veio à cabeça e acho que é suficiente por agora. Se eu lembrar de mais, escrevo outro post. Se tiver algum comentário, dúvida, etc, pode comentar no post relevante do Google+. Também sou @robteix no Twitter e também robteix no App.net.
Syndicated 2013-04-16 11:29:03 from robteix dot com